Talvez busque um lugar onde já estou

Latitude: -25.4284, Longitude: -49.2733 25° 25′ 42′′ Sul, 49° 16′ 24′′

Jhon Erik Voese

Setembro / 2024

Talvez busque um lugar onde já estou

Latitude: -25.4284, Longitude: -49.2733 25° 25′ 42′′ Sul, 49° 16′ 24′′

Rogério Ghomes nos apresenta um cardápio especial de sua produção de imagens. Sutilmente, ele convida a pintura e a fotografia para um jantar e oferece partes de uma para a outra numa noite onde o que é consumido retorna como linguagem nova.

Na parede maior vemos uma composição de composições. HÁ TANTO RUÍDO NO SILÊNCIO, que começa desde o arranjo dos frascos, feito pelo artista com muito esmero, e é a entrada de nosso jantar metafórico. Escolhe onde cada vidro irá estar, onde cada curva se inicia e se encerra, é o primeiro desafio. O jogo de naturezas mortas é conteúdo típico de quem pinta. Vemos nele os mestres pintores de Rogério: Morandi, Cézanne, Renoir… Um papo que pode ir até os gregos, ou começar em Heda e parar em Picasso e Matisse.

O prato principal é o olhar fotográfico, cada recorte tem um sabor diferente, cada olhar um novo desenho. Aqui também há outra referência da história da Arte com Degas e suas bailarinas. A sobremesa vem e a decisão pela impressão em canva devolve a imagem para o terreno vizinho, como quem compartilha a uma colherada na boca de seu parceiro de mesa.

O arremate, quem sabe aquele cafezinho, está no arranjo das obras entre si, exaltando uma terceira linguagem, convidando uma nova amiga para a conversa, a colagem. Ela nos propicia novas curvas, uma elegância que aparece em cada brilho dos vidros fotografados, em cada reflexo, em cada encaixe inusitado de um para o outro que salta por lacunas agora preenchidas por nossa imaginação. Nas montagens que tendem à abstração conhecemos outras referências importantes para Ghomes, os modernos Geraldo de Barros, German Lorca, José Yalenti e José Oiticica Filho (ele mesmo o pai do Hélio).

parição vem acompanhado da referência geográfica. Latitude, longitude, números que apontam onde nascem as coisas, o primeiro traço de identidade, os marcos onde nos encontramos. A frase como um todo, exalta uma angústia respondida. Como se o artista estivesse nos dizendo “eu entendi, foi difícil, mas eu entendi”. Uma conclusão que nos provoca, mas nos acalenta. A tipografia preta sobre fundo preto, enfatiza essa sensação. A resposta está diante de nós, mas por vezes passamos por ela sem notar. A obra é uma música de fundo, que faz a conversa fluir e perpassa por todas as séries, já que dá o tom da pesquisa atual e permite momentos de respiro ajudando a embriagar os pensamentos.

Ainda no fundo, ao lado, vemos uma outra composição com os frascos, mas dessa vez é a simetria que se faz vista, o espelhamento, o equilíbrio formal, a fotografia em sua excelência. ViVAViDA, é um convite, é quando o fotógrafo se levanta da mesa e chama o pintor para dançar, mas é uma dança à quatro, pois a colagem e a tipografia também ganham protagonismo. Os passos da dança se dão pelas palavras, pelos binômios, letras garrafais engarrafadas. E nos levam para as próximas séries.

Durante a dança, risos e flertes a noite avança e agora passamos por mais três obras que combinam as composições já vistas nos vidros, mas acrescentam novas formas, além de enfatizar as palavras desmontadas. O que começou com a leitura filosófica proposta por Foucault em Vigiar-Punir, vai ganhando novos ares e nuances em Amar-Trair e Lembrar-Esquecer. Não é demais apontar aqui que mesmo se destacando pela elegância do minimalismo, há também um ar surreal nas obras aqui vistas. E como nos ensinou o surrealista Magrie, temos sempre que desconfiar das imagens. Os artistas nem sempre afirmam ou negam algo. Por vezes, são as duas coisas em uma só, nenhuma delas, ou até uma terceira.

Fechamos a noite, digo à mostra, levando para casa as memórias de um encontro que deu frutos. Os pequenos objetos chamados Compotas afetivas, rimam com todas as séries, mas por serem tridimensionais por excelência tornam ainda mais real tudo o que vivemos. Materializa as memórias e as conserva para o futuro.

I Might Look For a Place Where I Already Am

Latitude: -25,4284, Longitude: -49,2733 25° 25’ 42” South, 49° 16’ 24”

Rogério Ghomes displays a special menu of his production of images. Subtly, he invites painting and photography for dinner and oers the parts from one to another in an evening where what is consumed is turned into a new language.

On the big wall, there is a composition of compositions. THERE IS SO MUCH NOISE IN THE SILENCE, which begins with an arrangement of boles, carefully made by the artist, is the starter of our metaphorical dinner. Choosing where each bole will be placed, where each curve starts and ends, is his first challenge. Still life is a typical subject for painters. In it, we see the master painters admired by Rogério: Morandi, Cézanne, Renoir… a conversation that can go as far back as the Greeks, or start with Heda and end with Picasso and Matisse.

The main course is the photographic gaze, each cut-out has a dierent taste, each gaze a new drawing. There is also another reference to the History of Art with Degas and his ballerinas. The dessert comes and the choice for printing on canvas gives the image back to the neighbouring territory, as if sharing a spoonful in the mouth of the table partner.

The finishing touch, perhaps that lile cup of coee, is part of the arrangement of the works, exalting a third language and inviting a new friend to the conversation: collage. It oers us new curves, an elegance that appears in every shine of the photographed boles, in every reflection, in every unusual fiing from one to another, jumping over gaps now filled by our imagination. In the compositions that tend to abstraction, we find other important references to Ghomes: the modernists Geraldo de Barros, German Lorca, José Yalenti and José Oiticica Filho (Hélio Oiticica’s father).

In the background of the room, there is another conversation, other topics, other characters. On one side, the work that gives title to this and other exhibitions of Ghomes, I Might Look for a Place Where I Already Am – Latitude: -25.4284, Longitude: -49.2733 25° 25’ 42”, South, 49° 16’ 24”, accompanied by a geographical reference in every display. Latitude, longitude, numbers that point to where things come from, the first trace of identity, our landmarks. The phrase as a whole exalts an anguish that has been answered, as though the artist is saying ‘I understood, it was diicult, but I understood’. It is a conclusion that provokes and yet comforts us. The black typography on the black background evokes this feeling. The answer is in front of us, but sometimes we pass over it without noticing. The work is a piece of background music, which makes the conversation flow and go through all series, as it sets the tone of the current research and allows moments of respite, helping to inebriate our thoughts.

Still in the background of the room, there is another composition with boles, but what we see this time is the symmetry, the mirroring, the formal balance, the photography par excellence. ViVAViDA is an invitation, when the photographer gets up from the table and asks the painter to dance, but it is a foursome dance, as the collage and typography also get a role. The dance steps are given by words, the binomials, the boled bold leers. They then take us to the next series.

During the dance, laughter and flirting, the night progresses and now we go through three more works that combine the compositions already seen in the boles, but now with new shapes, while emphasising deconstructed words. What started with the philosophical reading proposed by Foucault in Discipline and Punish takes a new dimension and nuances in Love-Betrayal and Remember-Forget. It is not an overstatement to point out that, despite standing out for their minimalist elegance, there is also a surreal dimension in the works displayed. Artists do not always airm or deny something. Sometimes, it is the two things in only one, neither of them, or even a third one.

We close the night, or rather, the exhibition, taking home the memories of a profitable meeting. The small objects called Compotas Afetivas (Aective Compotes) rhyme with all the series, but being three-dimensional by excellence, they make everything we experience even more real. They materialise memories and preserve them for the future.